Por Fabio de Freitas
É difícil controlar fraudes quando crimes de corrupção tornam-se culturais. O que do contrário, não é impossível mudar a mentalidade das pessoas acerca de seus atos. Nestes casos, a Cultura de Compliance não resolve, mas cumpre sua função principal: mitigar atos corruptos que muitas vezes os corruptores não têm consciência deles.
Esta semana, nos corredores na Universidade, veio até mim um jovem acanhado; mas esperto, perguntar se eu estaria interessado no que ele chamou de esquema. Sou quase sempre amistoso e interessado por ideias novas e dei-me a ouvi-lo. Seu acanhamento, dizia-me que algo o incomodava, então parti para questão que me interessava: Seus antecedentes. Perguntei-lhe sobre seu emprego, aquele pelo qual há poucas semanas mostrava-se entusiasmado e, vestindo a paramenta, sentia-se mais superior aos demais colegas. Comportamento corriqueiro entre os inexperientes.
Hesitando, disse-me que havia deixado o emprego justamente para desenvolver o esquema, algo relacionado às microfinanças. Sua função anterior era de “Caixa” numa agência de um grande banco. Sua inquietação com minha questão; levou-me às inferências quase que acusativas a fim de tirar a verdade de suas colocações. Processo comum, quando se interroga um criminoso.
Contudo, aquele jovem de boa aparência não podia ser um criminoso. Afinal, estuda na melhor Universidade do país, sua família de classe média tradicional dera-lhe a melhor educação e por isso não poderia ser confundido com alguém cuja única oportunidade da vida fora o crime.Mas a realidade não é tão linda quanto parece. O crime não tem tamanho, não tem cor nem classe social. É simplesmente crime, devendo ser jugado de acordo com a Lei.
Propositivo, questionei-lhe: Você não saiu do banco, saiu? Você foi demitido. Afirmei sem compaixão do rapaz.
“É, não foi bem assim”. Pediu as contas? “sim.” Fraude? “Não, não foi fraude!” Respondeu-me como se quisesse dizer a verdade. “ Eu não julgo aquilo como fraude, foi só um esquema”. Mas te pegaram, não? “Sim.” Então diz-me o porquê não foi fraude.” Não foi fraude porque era, elas por elas. Todo mundo faz, então eu também fazia. É comum.” Conte-me!
“Então, funciona assim: O cliente vem à agência, pagar um documento qualquer. O “Caixa” oferece-lhe um produto; - Fazia do meu jeito, pois o banco tem seu panfleto e o meu era diferenciado, bem explicadinho, mas se o pessoal do Markerting pegasse seria problema. Eles têm um padrão. - Se o cliente não quisesse o produto ou dissesse não querer abrir uma conta; eu o deixava sair e, em seguida, abria uma conta em seu nome e depositava R$ 3,50, valor mínimo de depósito. No dia seguinte, resgatava o valor e pronto, a movimentação estava feita. Quando fazia isso, ganhava um percentual, pois tinha um salário fixo e, um bônus por produtividade. Tinha uma meta mensal e o bônus não poderia passar de R$ 300,00, justamente para inibir esse tipo de ato. Quando batia a meta, meu salário chegava a quase R$ 2.000,00. Um dia, um cliente foi à outra agência abrir uma conta e a mesma já estava aberta na agência onde eu trabalhava, com um depósito de R$3,50. Eu não tinha estornado ainda o depósito nem fechado o caixa. Ai, descobriram tudo e sugeriram que eu pedisse demissão ou o banco me entregaria. Oh, mas isso é padrão, todo mundo faz.”
Faz, mas é ilegal certo? “É”. Respondeu-me querendo negar, balanceando a situação com a cabeça como se, sabendo que sendo ilegal, duvidasse ou discordasse daquilo que está na Lei ou que é de convenção, digamos social.
Vendo minha tranquilidade diante da sua narrativa, interessou-se por saber o que eu fazia. Combato exatamente o que você acabou de dizer que fazia, respondi e não perdi a oportunidade de orientá-lo para uma conduta mais ética no ambiente de trabalho e fora dele.
Na conversa, sugeri então que aqueles delitos eram farra nas Agências bancárias. Respondeu-me que não e, como forma de defesa de seus atos, foi logo denunciando o que ele julgava como farra a fim de legitimar àquelas fraudes cotidianas que cometera nos três anos em que fora funcionário daquele banco.
“Farra mesmo é com senhas. Senhas parecem petecas voando no ar. Estagiários pegam senhas do gerente que está almoçando ou preso no trânsito. O colega do lado pega senha do outro e faz a operação que precisar. Isso sim é proibido, mas é farra, ninguém questiona. Abrir contas e vender produtos sem autorização do cliente, não tem problema, não é tão grave quanto usar senhas indiscriminadamente. Quase sempre o cliente não sabe e a conta fica aberta.”
Mas um dia a casa cai e, pelo jeito caiu para você. “Nada, em breve estou no mercado novamente.” Sugeri que não confiasse demasiado nesta hipótese, uma vez que seu nome pode estar sob restrição.
Este exemplo de pequenas fraudes cometidas diariamente levam a grandes prejuízos institucionais e devora o seu maior patrimônio: a confiança do cliente.
Tenho um relacionamento duradouro com um grande banco brasileiro e, outro dia, precisei depositar R$ 800,00 na minha conta. Por uma coincidência havia 15 notas de cinquenta reais novas e uma do modelo antigo. Conferi duas ou três vezes como costumo fazer e lancei o depósito no caixa eletrônico. Três dias depois, notei no extrato que o banco havia registrado o valor “a menor”, neste caso R$ 770,00. Trinta reais foram, sabe- se lá para qual bolso. Neste caso, fica a palavra do cliente contra a do banco, representado pelo fraudador daquela agência.
Minha solução para o caso foi nunca mais fazer depósitos em caixas eletrônicos, mesmo que isso signifique perda de tempo para mim e aumento de custos para o banco. Refletindo esses dois casos emblemáticos, assisti à reportagem abaixo e não tive como conter a gargalhada. Imaginem a mentalidade de quem vez essas operações e o prejuízo que isso pode trazer à instituição bancária.
Recordo do famoso caso da ação judicial movida contra o Banco Bradesco devido uma operação equivocada similar a estas narradas aqui. Não deu em perdas financeiras de tamanho gigantesco como supunha a vitima; mas trouxe prejuízos com processos judiciais sem falar que, de certo modo a imagem do Banco ficou prejudicada. Poderia ser pior, se as autoridades brasileiras levassem mais a sério os direitos dos consumidores.
É difícil controlar fraudes quando crimes de corrupção tornam-se culturais. O que do contrário, não é impossível mudar a mentalidade das pessoas acerca de seus atos. Nestes casos, a Cultura de Compliance não resolve, mas cumpre sua função principal: mitigar atos corruptos que muitas vezes os corruptores não têm consciência deles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário