Paula Adamo Idoeta
Atualizado em 16 de fevereiro, 2012 - 06:31 (Brasília) 08:31 GMT
Para especialista britânica, pobreza vai além de questões de renda
Programas de transferência de renda tiveram um papel crucial na redução da pobreza no Brasil, mas seu efeito é limitado quando não são acompanhados de geração de empregos e de ações em outras frentes, opina Claire Melamed, chefe do projeto de crescimento e igualdade do centro acadêmico britânico Overseas Development Institute (ODI), focado em desenvolvimento e questões humanitárias.
Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, 8,5% da população brasileira ainda vive em situação de pobreza extrema, com renda domiciliar per capita de até R$ 70.
Para Melamed, é preciso incentivar a iniciativa privada e o crédito às pequenas empresas - algo que ela considera mais eficiente do que o microcrédito aos indivíduos mais pobres.
Veja a seguir trechos de sua entrevista à BBC Brasil.
BBC Brasil - Apesar de um crescimento econômico significativo com distribuição de renda, o Brasil continua tendo bolsões de pobreza extrema. Por que é tão difícil erradicá-los?
Claire Melamed – A questão da pobreza extrema é que os pobres não são pobres por falta de dinheiro. A falta de dinheiro na verdade é um sintoma de uma série de outras privações econômicas e sociais. Essas barreiras fazem com que seja muito difícil para alguns grupos participar e se beneficiar do crescimento econômico.
BBC Brasil - É um problema que vai além da renda?
Claire Melamed – Certamente. Brasil tem motivos para ter orgulho de sua redução da pobreza e de seus programas de transferência de renda. Mas eles por si só não resolvem a pobreza. A renda é apenas uma parte. Um grande aspecto é a propriedade de terra, a distribuição de terra – algo que permanece desigual no Brasil.
Educação também é chave, e sua (melhoria) deve ir além do nível primário, já que o tipo de emprego sendo gerado hoje no mundo exige alto nível de conhecimento. Além disso, não tem sentido prover educação se não houver empregos no final da cadeia. E há limites para o que o governo pode fazer nessa área – talvez incentivar a iniciativa privada, fornecer crédito, melhorar o ambiente (de negócios).
"O foco(do Brasil) tem sido a transferência de renda, algo extremamente bem-sucedido, mas talvez estejamos vendo os limites dessa estratégia. Algumas pessoas podem ter tido aumento de renda, mas (não estão tendo acesso) a trabalho e serviços"
Claire Melamed, do 'think tank' britânico ODI
BBC Brasil - Apesar de a pobreza ir além da renda, ainda contabilizamos os mais pobres por critérios de renda. Como melhorar essa contagem?
Claire Melamed – É uma briga entre querer prover dados simples e diretos que possam ser usados por autores de políticas públicas e que reflitam a realidade - ainda que de forma imperfeita -, e o desejo de tentar entender o que realmente está acontecendo na vida das pessoas (estudadas), o que é muito mais complexo.
Minha opinião é que os dados de renda têm um papel relativamente correto na descrição da pobreza, ao dar uma noção de quem é pobre ou não. Mas esses dados não explicam a pobreza ou como escapar dela.
BBC Brasil -O programa Brasil sem Miséria, do governo federal, é baseado em três pilares: transferência de renda, ampliação da oferta de serviços públicos e integração dos pobres ao mercado de trabalho. Acha que é a abordagem correta? Como fazê-la funcionar na prática?
Claire Melamed – É uma abordagem sensata, e apenas acrescentaria a ela o incentivo à participação política dos cidadãos. O difícil é como alocar recursos. Poucos governos têm o dinheiro suficiente para atacar esses três pilares.
O foco tem sido a transferência de renda, algo extremamente bem-sucedido, mas talvez estejamos assistindo aos limites dessa estratégia. Algumas pessoas podem ter tido aumento de renda, mas (não estão tendo acesso) a trabalho e serviços.
"Existe uma espécie de suposição de que as pessoas pobres são empreendedoras natas e que tudo o que precisam é de crédito para criar negócios bem-sucedidos. Não sei você, mas eu e muitas pessoas que conheço fizemos a escolha de trabalhar para alguém, em um ambiente muito mais estável e seguro, em vez de ter nossa própria empresa. Por que seria diferente com os mais pobres?"
Ao mesmo tempo, às vezes somos um pouco impacientes. Claro que devemos agir o mais rapidamente possível para tirar as pessoas da pobreza, mas alguns países europeus, por exemplo, levaram centenas de anos para obter um alto padrão de vida e sistemas eficientes de saúde e educação.
BBC Brasil - No Brasil, a geração de emprego foi considerada essencial para reduzir a pobreza. Mas, com a redução do ritmo de crescimento, isso deve desacelerar. É algo preocupante?
Claire Melamed – Sim, é preocupante, e não só no Brasil. Em muitos lugares, em especial na África, vemos o fenômeno do crescimento sem trabalho – países como a Nigéria, que crescem rapidamente, mas geram poucos empregos. Isso ocorre por vários fatores, sendo um deles o fato de o crescimento ser baseado na produção de commodities, que geram muito dinheiro, mas não empregam tanta gente.
No fim das contas, sem empregos, qualquer estratégia contra a pobreza extrema – como transferência de renda, serviços públicos etc – será uma batalha perdida. É um trabalho estável que dá às pessoas renda fixa e confiança no futuro.
BBC Brasil - Em um artigo, a senhora também diz que o microcrédito não basta.
Claire Melamed – Existe uma espécie de suposição de que as pessoas pobres são empreendedoras natas e que tudo o que precisam é de crédito para criar negócios bem-sucedidos. Não sei você, mas eu e muitas pessoas que conheço fizemos a escolha de trabalhar para alguém, em um ambiente muito mais estável e seguro, em vez de ter nossa própria empresa. Por que seria diferente com os mais pobres?
Ao mesmo tempo, precisamos fazer uma distinção entre o microcrédito concedido a uma pessoa e o crédito dado a pequenas empresas, que podem empregar cinco ou dez pessoas e se sair muito bem. Essas empresas são a espinha dorsal de muitos países e, juntas, empregam grandes parcelas da população.
Nigéria é um dos países com 'crescimento sem empregos', diz Claire Melamed
Sendo assim, eu não focaria tanto em emprestar dinheiro para cada pessoa pobre – mas sim em pequenas e médias empresas e como facilitar a vida de quem tem uma boa ideia e quer abrir um pequeno negócio.
BBC Brasil - Em um dos seus artigos, você diz que é importante perguntar aos mais pobres o que eles querem.
Claire Melamed – Infelizmente, poucos governos e doadores têm feito essa pergunta. Por exemplo, algo desejado por pessoas pobres de diversos países é (a criação de) empregos estáveis. Mas países doadores prestam pouca atenção à questão do desemprego. Outro anseio é por uma melhor comunicação com o mundo: melhores estradas, melhor sistema de telefonia, menos isolamento.
Além disso, muitas vezes nossa tendência é associar (o combate à) pobreza à agricultura, porque os mais pobres costumam se concentrar em áreas rurais.
De certa forma, temos que nos concentrar em onde as pessoas estão. Mas também temos que pensar no futuro e nas mudanças em curso no mundo. Talvez uma pessoa pobre na área rural acredite que a solução para sua pobreza esteja em se mudar para a cidade e conseguir um emprego na indústria ou no setor de serviços.
BBC Brasil - Como lidar com isso? Investindo mais nas cidades?
Claire Melamed – Não existe uma solução única - depende de cada país, de o quanto ele tiver para investir. Mas uma questão-chave é gerar empregos.
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