segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Transferência de renda tem que ser acompanhada por geração de empregos, diz analista

Paula Adamo Idoeta

Atualizado em  16 de fevereiro, 2012 - 06:31 (Brasília) 08:31 GMT
Foto de arquivo de favela brasileira (BBC)
Para especialista britânica, pobreza vai além de questões de renda
Programas de transferência de renda tiveram um papel crucial na redução da pobreza no Brasil, mas seu efeito é limitado quando não são acompanhados de geração de empregos e de ações em outras frentes, opina Claire Melamed, chefe do projeto de crescimento e igualdade do centro acadêmico britânico Overseas Development Institute (ODI), focado em desenvolvimento e questões humanitárias.
Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, 8,5% da população brasileira ainda vive em situação de pobreza extrema, com renda domiciliar per capita de até R$ 70.
Para Melamed, é preciso incentivar a iniciativa privada e o crédito às pequenas empresas - algo que ela considera mais eficiente do que o microcrédito aos indivíduos mais pobres.
Veja a seguir trechos de sua entrevista à BBC Brasil.
BBC Brasil - Apesar de um crescimento econômico significativo com distribuição de renda, o Brasil continua tendo bolsões de pobreza extrema. Por que é tão difícil erradicá-los?
Claire Melamed – A questão da pobreza extrema é que os pobres não são pobres por falta de dinheiro. A falta de dinheiro na verdade é um sintoma de uma série de outras privações econômicas e sociais. Essas barreiras fazem com que seja muito difícil para alguns grupos participar e se beneficiar do crescimento econômico.
BBC Brasil - É um problema que vai além da renda?
Claire Melamed – Certamente. Brasil tem motivos para ter orgulho de sua redução da pobreza e de seus programas de transferência de renda. Mas eles por si só não resolvem a pobreza. A renda é apenas uma parte. Um grande aspecto é a propriedade de terra, a distribuição de terra – algo que permanece desigual no Brasil.
Educação também é chave, e sua (melhoria) deve ir além do nível primário, já que o tipo de emprego sendo gerado hoje no mundo exige alto nível de conhecimento. Além disso, não tem sentido prover educação se não houver empregos no final da cadeia. E há limites para o que o governo pode fazer nessa área – talvez incentivar a iniciativa privada, fornecer crédito, melhorar o ambiente (de negócios).
"O foco(do Brasil) tem sido a transferência de renda, algo extremamente bem-sucedido, mas talvez estejamos vendo os limites dessa estratégia. Algumas pessoas podem ter tido aumento de renda, mas (não estão tendo acesso) a trabalho e serviços"
Claire Melamed, do 'think tank' britânico ODI
BBC Brasil - Apesar de a pobreza ir além da renda, ainda contabilizamos os mais pobres por critérios de renda. Como melhorar essa contagem?
Claire Melamed – É uma briga entre querer prover dados simples e diretos que possam ser usados por autores de políticas públicas e que reflitam a realidade - ainda que de forma imperfeita -, e o desejo de tentar entender o que realmente está acontecendo na vida das pessoas (estudadas), o que é muito mais complexo.
Minha opinião é que os dados de renda têm um papel relativamente correto na descrição da pobreza, ao dar uma noção de quem é pobre ou não. Mas esses dados não explicam a pobreza ou como escapar dela.
BBC Brasil -O programa Brasil sem Miséria, do governo federal, é baseado em três pilares: transferência de renda, ampliação da oferta de serviços públicos e integração dos pobres ao mercado de trabalho. Acha que é a abordagem correta? Como fazê-la funcionar na prática?
Claire Melamed – É uma abordagem sensata, e apenas acrescentaria a ela o incentivo à participação política dos cidadãos. O difícil é como alocar recursos. Poucos governos têm o dinheiro suficiente para atacar esses três pilares.
O foco tem sido a transferência de renda, algo extremamente bem-sucedido, mas talvez estejamos assistindo aos limites dessa estratégia. Algumas pessoas podem ter tido aumento de renda, mas (não estão tendo acesso) a trabalho e serviços.
"Existe uma espécie de suposição de que as pessoas pobres são empreendedoras natas e que tudo o que precisam é de crédito para criar negócios bem-sucedidos. Não sei você, mas eu e muitas pessoas que conheço fizemos a escolha de trabalhar para alguém, em um ambiente muito mais estável e seguro, em vez de ter nossa própria empresa. Por que seria diferente com os mais pobres?"
Ao mesmo tempo, às vezes somos um pouco impacientes. Claro que devemos agir o mais rapidamente possível para tirar as pessoas da pobreza, mas alguns países europeus, por exemplo, levaram centenas de anos para obter um alto padrão de vida e sistemas eficientes de saúde e educação.
BBC Brasil - No Brasil, a geração de emprego foi considerada essencial para reduzir a pobreza. Mas, com a redução do ritmo de crescimento, isso deve desacelerar. É algo preocupante?
Claire Melamed – Sim, é preocupante, e não só no Brasil. Em muitos lugares, em especial na África, vemos o fenômeno do crescimento sem trabalho – países como a Nigéria, que crescem rapidamente, mas geram poucos empregos. Isso ocorre por vários fatores, sendo um deles o fato de o crescimento ser baseado na produção de commodities, que geram muito dinheiro, mas não empregam tanta gente.
No fim das contas, sem empregos, qualquer estratégia contra a pobreza extrema – como transferência de renda, serviços públicos etc – será uma batalha perdida. É um trabalho estável que dá às pessoas renda fixa e confiança no futuro.
BBC Brasil - Em um artigo, a senhora também diz que o microcrédito não basta.
Claire Melamed – Existe uma espécie de suposição de que as pessoas pobres são empreendedoras natas e que tudo o que precisam é de crédito para criar negócios bem-sucedidos. Não sei você, mas eu e muitas pessoas que conheço fizemos a escolha de trabalhar para alguém, em um ambiente muito mais estável e seguro, em vez de ter nossa própria empresa. Por que seria diferente com os mais pobres?
Ao mesmo tempo, precisamos fazer uma distinção entre o microcrédito concedido a uma pessoa e o crédito dado a pequenas empresas, que podem empregar cinco ou dez pessoas e se sair muito bem. Essas empresas são a espinha dorsal de muitos países e, juntas, empregam grandes parcelas da população.
Favela na Nigéria, em foto de arquivo (BBC)
Nigéria é um dos países com 'crescimento sem empregos', diz Claire Melamed
Sendo assim, eu não focaria tanto em emprestar dinheiro para cada pessoa pobre – mas sim em pequenas e médias empresas e como facilitar a vida de quem tem uma boa ideia e quer abrir um pequeno negócio.
BBC Brasil - Em um dos seus artigos, você diz que é importante perguntar aos mais pobres o que eles querem.
Claire Melamed – Infelizmente, poucos governos e doadores têm feito essa pergunta. Por exemplo, algo desejado por pessoas pobres de diversos países é (a criação de) empregos estáveis. Mas países doadores prestam pouca atenção à questão do desemprego. Outro anseio é por uma melhor comunicação com o mundo: melhores estradas, melhor sistema de telefonia, menos isolamento.
Além disso, muitas vezes nossa tendência é associar (o combate à) pobreza à agricultura, porque os mais pobres costumam se concentrar em áreas rurais.
De certa forma, temos que nos concentrar em onde as pessoas estão. Mas também temos que pensar no futuro e nas mudanças em curso no mundo. Talvez uma pessoa pobre na área rural acredite que a solução para sua pobreza esteja em se mudar para a cidade e conseguir um emprego na indústria ou no setor de serviços.
BBC Brasil - Como lidar com isso? Investindo mais nas cidades?
Claire Melamed – Não existe uma solução única - depende de cada país, de o quanto ele tiver para investir. Mas uma questão-chave é gerar empregos.
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