Ela é uma morena de aspectos de índia sem colar. Sorriso claro que a brancura comove o coração. Sobretudo quando acompanhado de um simpático piscar de olho, costumeiramente despendido na forma de um: “Tudo bem!” Decidiu mudar de emprego, para uma condição melhor, disse. No seu ultimo dia na empresa, convidou todos os colegas para um almoço de despedidas no The Fifties Aphaville. Na condição de cada um pagar o seu, evidentemente. Eu de cá, somente observei; não pude responder ao seu convite. Não poderia. Jamais faria. Um lanche dos mais simples no The Fifties Alphaville, custa algo em torno de R$ 40,00. Meu vale refeição é de R$ 20,00 por dia e, costumeiramente, recuso a extravagância, indo a um pequeno restaurante sem nome, no Centro Comercial de Alphaville. Neste, tem gente que sorri seriamente para mim, paga apenas R$ 5,00 por cada refeição, sou chamado carinhosamente de querido pela Dona Francisca que está sempre mexendo a comida no banho-maria. Dona Francisca não tem dentes. Já caíram e ela não aprendeu a assinar o próprio nome; porém prepara comidas tão boas quanto o frango com quiabos que o baiano, outro banguela, mas de dentaduras postas, faz no restaurante de nome impronunciável, alguns metros do salão da Dona Francisca. Os restaurantes não lhes pertencem, de fato. Tanto dona Francisca, que veio de algum lugar do nordeste do Brasil, quanto o baiano com dentaduras, são simples empregados. Todavia a Dona Chica oferece o que tem de melhor: Seu sorriso.Ela parece preparar as comidas cedo e, na hora que os garotos do salão servem-nas, ela se achega num canto, põe uma mão sobre o bucho, a outra sob o queixo e aguarda, até que algum despercebido bagunce o arroz na gôndola, para dá uma mexidinha antes do próximo cliente se servir. Enquanto isso, ela aproveita para puxar uma conversinha tímida, quase desconfiada, sob soluços, com quem aguarda na fila para se servir. Em poucos minutos, eu estou satisfatoriamente alimentado, feliz e com R$ 15,00 sobrando, com os quais posso, nos finais de semana, levar minha loira polonesa e meu filho no restaurante do baiano de dentaduras, onde a comida é um pouco mais cara; porém não chega a um terço do preço de um hambúrguer no The Fifties Alphaville. Não me sinto, com esse gesto, um avarento; pelo contrário, economizar para mim é uma liberdade de espirito, cujo resultado dar-se na certeza de que muitas Franciscas e baianos, como eu, carecem de alimentar seus filhos. Avarento, para mim, porém, seria o pecado de meter-se onde o exagero e a falta de consciência prevalecem, ilustrados na forma de bolsas francesas sobre os braços de cadeiras americanas, enquanto seu donos divagam conversas quase sempre vagas, saboreando uma mistura de carne moída com cebolas roxas num pão murcho com gergelim que mais parece uma bucha de tapar o vazia interior de quem os comem.Eu poderia me alimentar todos os dias em restaurantes com preços medianos, cujo valor não oscilasse muito dos R$ 20,00 para refeição diária que recebo da empresa. Mas certamente, eu perderia o único sorriso completamente banguela, sincero, afável e zeloso que eu poderia ter num dia corrido de trabalho. Por outro lado, quantas vezes eu levaria minha família no restaurante do baiano, sem me endividar demasiado ao final do mês? E, o mais importante, quem me garante que participando do grupo daqueles que consomem nomes e marcas requintadas, eu seria feliz tanto quanto sou comendo o simples feijão da Dona Francisca?
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